Thursday, December 28, 2006

lírios (ao vento)


(C) TCA

___________________________________________
Estava sentada na cozinha, segurando uma grande chávena de café bem quente. Na mesa, biscoitos um bocadinho duros e um bolo de chocolate fresco. Não era dia de comer maçãs e saltar refeições sem reparar que estava cheia de fome, como tantas vezes fazia. As gatas corriam em volta, engalfinhadas por causa do rato falso de brincar. Tudo era tão doméstico e ao mesmo tempo, sentia que a diferença dali para uma gruta isolada num penhasco não seria assim tão imensa. Isso dava-lhe prazer.
Lá fora o vento uivava e não andava ninguém. O dia cinzento convidava aos interiores. Ela queria sair. Nada melhor do que sentir os cabelos a redemoinhar nos ombros, como se quisessem soltar-se. Às vezes, em dias assim, apetecia-lhe cortá-los ao vento, mas o resultado final não lhe seria indiferentente. Não desejava ficar sem os seus cabelos compridos e não sabia aonde o vento os levaria.
Acabada a refeição matinal, tardia, pegou na tesoura e saiu. Fechou a porta e parou uns instantes na soleira, sentindo o ar fresco a gelar-lhe o rosto e as mãos. Olhou para o lado do mar, que não se via dali, mas ouvia-se. Devia estar magnífico. A maresia trazida pelo vento entrava-lhe nas narinas e deixava-a com o nariz vermelho e húmido, obrigava-a a fungar, como quem tivesse chorado um bocadinho. Respirou fundo e começou a andar decididamente sobre o relvado, até às traseiras rochosas do jardim, ao encontro das suas preciosidades. Lá estavam elas, lindas, livres, puras como nenhumas outras. Sorriu-lhes. Porque nasceriam lírios vermelhos nos rochedos do seu jardim?

...

Estava gelado. Assim que entrou em casa sentiu o cheiro do almoço, que fumegava nas panelas. Era bom voltar ao calor do lar.
Onde estaria ela? Chamou-a. Quase logo uns passos apressados responderam ao seu apelo e o corpo conhecido esmagou-se contra o seu, num abraço que parecia ser, também, um esconderijo. Ela não era de se esconder, mas estava a fazê-lo, e havia ainda a estranheza do formato indisciplinado da cabeça, que lhe pousava no ombro enquanto ela ria e lhe dava beijos pequeninos no pescoço, como se pedisse alguma coisa.
- Oh... que aconteceu ao teu cabelo?
- Tinha de escolher. Ou cortava os lírios para o enfeitar ou o deixava junto deles.
Ele entendeu. E o almoço estava uma delícia.

© Fata Morgana

Thursday, December 21, 2006

clamores plangentes


(C) TCA

___________________________
(...)
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
(...)

Dia de Natal, António Gedeão

Wednesday, December 20, 2006

the way you look


(C) TCA
______________________________
It's late in the evening; she's wondering what clothes to wear.
She puts on her make-up and brushes her long blonde hair.
And then she asks me, "Do I look all right?"
And I say, "Yes, you look wonderful tonight."

We go to a party and everyone turns to see
This beautiful lady that's walking around with me.
And then she asks me, "Do you feel all right?"
And I say, "Yes, I feel wonderful tonight."

I feel wonderful because I see
The love light in your eyes.
And the wonder of it all
Is that you just don't realize how much I love you.

It's time to go home now and I've got an aching head,
So I give her the car keys and she helps me to bed.
And then I tell her, as I turn out the light,
I say, "My darling, you were wonderful tonight.
Oh my darling, you were wonderful tonight."

Wonderful Tonight, Eric Clapton

Sunday, December 17, 2006

Monday, December 11, 2006

et maintenant


(C) TCA
___________________
Talk to me softly
There is something in your eyes
Don't hang your head in sorrow
And please don't cry
I know how you feel inside I've
I've been there before
Somethin is changin' inside you
And don't you know

Don't you cry tonight
I still love you baby
Don't you cry tonight
Don't you cry tonight
There's a heaven above you baby
And don't you cry tonight

Give me a whisper
And give me a sign
Give me a kiss before you
tell me goodbye
Don't you take it so hard now
And please don't take it so bad
I'll still be thinkin' of you
And the times we had...baby

And don't you cry tonight
Don't you cry tonight
Don't you cry tonight
There's a heaven above you baby
And don't you cry tonight

And please remember that I never lied
And please remember
how I felt inside now honey
You gotta make it your own way
But you'll be alright now sugar
You'll feel better tomorrow
Come the morning light now baby

And don't you cry tonight
And don't you cry tonight
And don't you cry tonight
There's a heaven above you baby
And don't you cry
Don't you ever cry
Don't you cry tonight
Baby maybe someday
Don't you cry
Don't you ever cry
Don't you cry
Tonight

Don't Cry, Guns N' Roses

Tuesday, December 05, 2006

bang bang


(C) TCA

___________________________
I was five and he was six
we rode on horses made of sticks
he wore black and i wore white
he would always win the fight
bang, bang
he shot me down
bang, bang
i hit the ground
bang, bang
that awful sound, bang bang, my baby shot me down.
seasons came and changed the time, when i grew up i called him mine
he would always laugh and say remember when
we used to play bang bang i shot you down bang
bang you hit the ground bang bang that awful sound
bang bang i used to shoot you down
music played and people sang
just for me the church bells rang
now he's gone i don't know why
and to this day sometimes i cry
he didn't even say goodbye he didn't take the time to lie
bang, bang
he shot me down, bang bang
i hit the ground
bang, bang that awful sound, bang bang
my baby shot me down.

Bang Bang (My Baby Shot Me Down), Sonny Bono

Monday, November 27, 2006

uncovering


(C) TCA

__________________________________
Se eu pudesse um dia
destapar a minha cara
para que
visses o meu sorriso...
Se eu pudesse um dia
despir-me para ti
mostrar-te o meu corpo
para que
descobrisses os seus segredos...
Se eu pudesse um dia
estar nua nos teus braços
sentir o teu desejo
levar-te à loucura...
Se eu pudesse um dia...

se...; suave marezia; intimidades secretas

Tuesday, November 21, 2006

invasão


(C) TCA


(C) TCA
________________________
Há tanto tempo espero por ti
na solidão do meu lugar
vem aquecer-me a cama
traz flores para o jantar

Sempre habitaste o meu coração
és a razão do meu fervor
mas não te vejo a cara
não sinto o teu calor

Podes contar ao mundo
como eu te procurei
quando me for embora
diz que te encontrei

Mesmo que tu não sejas real
ou sejas quem eu não previ
hei-de inventar-te sempre
hei-de esperar por ti

Podes contar ao mundo
como eu te procurei
quando me for embora
diz que te encontrei

quando eu me for embora
diz que te encontrei

Há tanto tempo (espero por ti), Jorge Palma

Friday, November 17, 2006

sin scene


(C) TCA

______________________________________
Somos dois caminhos paralelos
Vamos pela vida lado a lado
Doidos que nós somos
Loucos que nós fomos
Nem sei qual é de nós mais desgraçado

Lado a lado meu amor mas tão longe
Como é grande a distância entre nós
O que foi que se passou entre nós dois que nos separou
Porque foi que os meus ideais morreram assim dentro de mim

Ombro a ombro tanta vez mas tão longe
Indiferença entre nós quem diria
Custa a crer que tanto amor tão profundo amor tenha acabado
E nós ambos sem amor lado a lado

Fomos no passado um só destino
Somos um amor desencontrado
Doidos que nós somos
Loucos que nós fomos
Não sei qual é de nós mais desgraçado

Lado a Lado, Jerónimo Bragança

Monday, November 13, 2006

angelito negro


(C) TCA
____________________
Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Menino sem condição
Irmão de todos os nus
Tira os olhos do chão
Vem ver a luz

Menino do mal trajar
Um novo dia lá vem
Só quem souber cantar
Vira também

Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Se até da gosto cantar
Se toda a terra sorri
Quem te não há-de amar
Menino a ti

Se não é fúria a razão
Se toda a gente quiser
Um dia hás-de aprender
Haja o que houver

Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

Menino do Bairro Negro, José Afonso

Tuesday, November 07, 2006

nude awakening

quando acordo nua, só o meu corpo se levanta. risca-me assim?


(C) TCA

Thursday, November 02, 2006

viva a vida


(C) TCA
_____________________________________

Viva a vida disse a vida
e nunca mais se morreu
Deus em si nos retomando
o tempo eterno nos deu

nunca mais fomos poetas
que era coisa de sofrer
agora somos poemas
Como Ele é de sempre ser

nunca mais fomos crianças
distantes de ter crescido
com saudades de um passado
para nós sempre vivido

nem do futuro ansiosos
pois o temos no passado
nem de espaços repartidos
se faz o mundo sonhado

se sonhamos ou vivemos
é pergunta que sumiu
a ser viemos de estar
o presente ninguém viu

só porque ousamos querer
esse querer não querendo
e fomos fazendo o feito
esse fazer não fazendo.

Viva a vida, Agostinho da Silva
também para ouvir: Claud

Sunday, October 29, 2006

enganar a dor


(C) TCA
__________________________________
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Autopsicografia, Fernando Pessoa

Monday, October 23, 2006

vulva


(C) TCA
__________________________________________
O corpo é praia a boca é a nascente
e é na vulva que a areia é mais sedenta
poro a poro vou sendo o curso da água
da tua língua demasiada e lenta
dentes e unhas rebentam como pinhas
de carnívoras plantas te é meu ventre
abro-te as coxas e deixo-te crescer
duro e cheiroso como o aloendro.

Cosmocópula, Natália Correia
__________________________________________


(C) TCA

Monday, October 16, 2006

aprende-me


(C) TCA

_____________________________
Ensina às minhas mãos
o caminho do teu corpo.

Faz com que subam
às pequenas colinas
onde a luz indecisa
se demora pela manhã.

Cegas, descobrirão
o delírio da água
na fonte incendiada.

António José Queirós

Monday, October 09, 2006

à tarde


(C) TCA

_________________________
Quando escorrem as horas
clarificam-se os contornos
e a bruma do olhar.
Reacendem-se, então, os momentos
desfasados únicos
invadindo as fronteiras
afunilando o dia
e o desnorte.

Ciclicamente o por-do-sol acenderá
o campo de papoilas.

Na quietude da tarde, Helena F. Monteiro, Linha de Cabotagem

Sunday, October 01, 2006

the night is ours


(C) TCA


- your drawings always have a sexual undertone...
- go on then, what should i say about this one?
- speak of the love between friends. i think that we speak too much of the love between lovers and downplay the other form of love.
- ...
- perhaps because we are afraid.

Monday, September 25, 2006

à noite


(C) TCA
_______________________________

Cheia de penas me deito
E com mais penas me levanto
Já me ficou no meu peito
O jeito de te querer tanto

Tenho por meu desespero
Dentro de mim o castigo
Eu digo que não te quero
E de noite sonho contigo

Se considero que um dia hei-de morrer
No desespero que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile no chão
E deixo-me adormecer

Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias de chorar
Por uma lágrima tua
Que alegria me deixaria matar

Lágrima, Amália Rodrigues

Tuesday, September 19, 2006

klemer, aprendiz de pianista


(C) TCA

____________________
(...) walter klemer permanece no seu nicho e imagina até que ponto poderia ir. dão-lhe claramente agora os apetites da fome e da sede, os dois ao mesmo tempo. porém, é ao apetite da mulher que se refere, quando se esfrega. (...)

elfriede jelinek, a pianista

Wednesday, September 13, 2006

Y, um amor feliz


(C) TCA

_________________
"Há-de pensar que sou doida... Não tem importância. Não é isso que tem importância." Respirando fundo: "Esta camisa.... Não era bem esta camisa que eu queria. Mas vai aqui ficar, vou aqui deixá-la. Quero-a estrear consigo, ao pé de si. Quero dormir muitas vezes com ela. Ao seu lado. Aqui. Por enquanto aqui." E sorvendo novo gole de ar: "Tem que me dar tempo. O que você quer é igual ao que eu quero. Mas não é fácil. Não pode ser assim depressa como nós queremos."
David Mourão-Ferreira, Um Amor Feliz

Wednesday, September 06, 2006

into my arms

- abraças-me com força?

(C) TCA

_______________________________

corri nós
os lassos
dos meus aos teus abraços

nós
unidos em traços de segredos
das minhas palmas aos teus dedos

as palavras gritaram beijos
os silêncios fartaram desejos

magia de um dia
à hora da aurora

só nós

nós, daniel santiago, brincos de palavra

Sunday, August 27, 2006

índia


(C) TCA

________________
Índia seus cabelos nos ombros caídos
Negros como a noite que não tem luar
Seus lábios de rosas para mim sorrindo
E a doce meiguice desse seu olhar

Índia da pele morena
Sua boca pequena
Eu quero beijar

Índia sangue tupi
Tens o cheiro da flor
Vem que eu quero lhe dar
Todo o meu grande amor

Quando eu for embora para bem distante
E chegar a hora de lhe dizer adeus
Fica nos meus braços só mais um instante
Deixa os meus lábios se unirem aos seus

Índia levarei saudade
Da felicidade que você me deu

Índia a sua imagem
Sempre comigo vai
Dentro do meu coração
Flor do meu paraguai

Índia. Letra e música: J.A. Flores; M.O. Guerreiro

Thursday, August 24, 2006

free ... or afraid


(C) TCA

________________________________
Não fossem as fugas
impulsionadas pelo medo
mais do que um nome
apimentando a boca, os dedos

o corpo abrasado pela liberdade,
- que nos faz inexatos -
romperia o vácuo profano
de constantes veleidades

a aridez do desejo pelo desejo,
layout enganoso
da tez não palmilhada,
em velada insensatez

se não fossem as fugas...
esta silenciosa sensualidade
não estaria erma de afagos.
16/06/06

Subterfúgio, Andréa Motta, Jardim de Poesia

Saturday, August 19, 2006

kingdoms


(C) TCA

__________________________
Se ao caminhar
noctívago e silencioso
me estenderes a mão e ela for um ninho
Confio-me a esse abrigo
despojada e calma
seja ele guarida ou carinho fugaz.
Se pela madrugada
partir nas asas lestas
assustada e forte
Será para fugir do perigo
de chegar o dia
em que eu deva migrar e não seja capaz.

© Fata Morgana

Sunday, August 13, 2006

à chuva


(C) TCA
____________________

Reposteiros constipados bocejam flashes ocasionais de um relâmpago esquecido, reflectido nas janelas. As ruas estão desertas, molhadas. Lá em cima, a chuva inundou a lua de escuridão. Amanhã, dilúvio, crucificar-te-ão. Esta noite beijamos-te com rosas ao relento, no mergulho de todos, desta arca de ninguém, fugindo convictos ao salvador.

Kordny; à chuva, cartas ao abismo

Monday, August 07, 2006

a sul, azul





______________________________
Brilhantes bagas de farelo dourado
alumiam a desforra anunciada...
São horas de presentear com ferros ornamentados
os amantes
os puros
os aventureiros.
Talismãs de pedra e cobre
recolhem à base e permitem que se volte ao princípio dos tempos
dos verbos
dos frades
dos tigres amarelos.

Listas de velcro enciumadas
transmitem paz
serenas
deambulantes
peregrinas...

sem fundo
sem medo
sem nada.
cem truques.

cem truques, azul.

Tuesday, July 18, 2006

todas as mulheres


(C) TCA Posted by Picasa

__________________________
No teu branco seio eu choro.
Minhas lágrimas descem pelo teu ventre
E se embebedam do perfume do teu sexo.
Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado
Confuso, criança para te conter!
Oh, não feches os teus braços sobre a minha tristeza não!
Ah, não abandones a tua boca à minha inocência, não!
Homem sou belo
Macho sou forte, poeta sou altíssimo
E só a pureza me ama e ela é em mim uma cidade e tem mil e uma portas.
Ai! teus cabelos recendem à flor da murta
Melhor seria morrer ou ver-te morta
E nunca, nunca poder te tocar!
Mas, fauno, sinto o vento do mar roçar-me os braços
Anjo, sinto o calor do vento nas espumas
Passarinho, sinto o ninho nos teus pêlos...
Correi, correi, ó lágrimas saudosas
Afogai-me, tirai-me deste tempo
Levai-me para o campo das estrelas
Entregai-me depressa à lua cheia
Dai-me o poder vagaroso do soneto, dai-me a iluminação das odes, dai-me o [cântico dos cânticos
Que eu não posso mais, ai!
Que esta mulher me devora!
Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha quero o colo de Nossa Senhora!

Poemas para todas as mulheres, Vinicius de Moraes

Tuesday, July 04, 2006

last kiss


(C) TCA Posted by Picasa
____________________________________
Pressa.
A fome de te ter.
As roupas espalhadas.
Os beijos molhados.
Fogo.
As mãos que não param.
A pele que queima.
De tanto querer.
Beijas-me.
Dispo-te.
Molho-te, húmida.
Febre de tocar-te.
Entrares em mim.
Gritos.
Gemidos.
Cravo-te as unhas.
Colo-me a ti.
Abafo um gemido.
Escondo o prazer.
Reviro os olhos.
Penetras-me.
Lentamente.
Enlouqueço.

Alimenta-me.

alimenta-me, maluca responsável

Monday, June 26, 2006

beijo a beijo


(C) TCA Posted by Picasa
___________________________________
Plena mulher, maçã carnal, lua quente,
espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
que obscura claridade se abre entre tuas colunas?
que antiga noite o homem toca com seus sentidos?
Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos e dois corpos
por um so mel derrotados.
Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital transformado em delícia
corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo noturno,
até ser e não ser senão na sombra de um raio.

Pablo Neruda

Monday, June 19, 2006

naked desire


(C) TCA Posted by Picasa

______________________________
Disse fêmea
Mulher feita
Disse fêmea
Disse cresce
Disse muda
Perde a estúpida inocência
Dia após dia
Para aonde ia
Disse fêmea
Mulher feita

Mal eu sabia
Que a vida rouba os sonhos
Mal eu sabia
Que o mundo nos desmama
De paixões surdas,
Cava na cara
Sulcos secos,
Sulcos secos

Disse fêmea
Mulher feita
Faz-te fêmea
Ama-te a ti mesma
O mundo espera
Cheio de tudo
Come-o, feliz, sã, gloriosa, cheia
Diz-te fêmea
Mulher feita

Eu não sabia
Que nascemos sombras
Eu não sabia
Que todos têm medo
De falhar, de perder
Não há braços de fêmea
Para embalar
O mundo

Disse fêmea
Mulher feita
Acabou-se o que era doce
Acabaram-se os amantes
O preço da mão estendida é
A pagar, a pagar,
Mais cedo ou mais tarde
Não repitas os meus erros
Menina feita mulher

Disse fêmea
Mulher feita
Disse fêmea
Disse cresce
Disse muda, muda, muda
Perde essa estúpida inocência
Dia após dia,
Após dia,
Para aonde ia
Disse fêmea
Menina feita mulher
Menina feita mulher
Menina feita mulher.

Disse Fêmea, Arnold Wesker (música de Jorge Palma)

Wednesday, June 14, 2006

touching lips


(C) TCA Posted by Picasa
________________________________
quando partilhares comigo o sabor
de um beijo recorda-te por favor

beijar é acto de dar
e
beijar-te será acto de amar

então se
beijar-te for acto de amor

beijar será o acto
e
tu o amor

sintaxe de um beijo, daniel, brincos de palavra

Friday, June 09, 2006

christ in love


(C) TCA Posted by Picasa
____________________________________
Dos amores do Redentor
Não reza a História Sagrada
Mas diz uma lenda encantada
Que o bom Jesus sofreu de amor
Sofreu consigo e calou
Sua paixão divinal
Assim como qualquer mortal
Que um dia de amor palpitou

Samaritana plebeia de Cicár
Alguém espreitando te viu Jesus beijar
De tarde, quando foste encontrá-Lo só
Morto de sede junto à fonte de Jacob

E tu serena acolheste
O beijo que te encantou
Serena empalideceste
E Jesus Cristo corou

Corou por ver quanta luz
Irradiava da tua fronte
Quando disseste - Oh Meu Jesus
Que bem eu fiz Senhor em vir á fonte!

Samarita, Edmundo Bettencourt