Friday, February 23, 2007

esperar o nascer do dia


(C) TCA

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Que amor não me engana
Com a sua brandura
Se de antiga chama
Mal vive a amargura

Duma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor não se entrega
Na noite vazia

E as vozes embarcam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito

Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira

Em novas coutadas
Junto de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela Primavera

Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
O nascer do dia

Que amor não me engana, José Afonso

Tuesday, February 20, 2007

Ó entrudo Ó entrudo


(C) TCA
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Ó entrudo, ó entrudo
Ó entrudo chocalheiro
Que não deixas assentar
As mocinhas ao soleiro

Eu quero ir para o monte (bis)
Que no monte é que estou bem (bis)
Eu quero ir para o monte (bis)
Onde não veja ninguém,
que no monte é que estou bem

Estas casas são caiadas (bis)
Quem seria a caiadeira (bis)
Foi o noivo mais a noiva (bis)
Com o ramo de laranjeira,
quem seria a caiadeira

Entrudo, Popular

Friday, February 16, 2007

la belle au bois dormant


(C) TCA

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Amarrado à sua sombra o bosque
Abria caminho às pegadas ardentes
Os faunos carreavam os regatos
E nos cornos da Lua uma flauta trilava
A ninfa na encosta sobre o braço descansava
Estios de florais prestígios
Entreteciam desenredavam as brisas
Nas têmporas da bela adormecida
Como se dois meninos com ele folgassem
Tantas voltas dava o mundo
De mão em mão se via percorrido
De vermes com chapéu de copa e dignidade
Os rios não se atreviam
A tocar a orla das cidades
De longe as cantavam e em surdina
Para não quebrar a quietação das muralhas
Ou turvar no recinto
A clara canção dos menestréis
Ali aparecia a bela adormecida coberta de sóis
Os seus ardentes passos tanto mediam o solo
Como o firmamento
Uma sombra de oliveiras sob os olhos
Murmúrios de água para as mãos
No mar esses olhos flutuavam sempre
E esta rama de loureiro de horizonte a horizonte
Adorno dos sonhos pendentes do céu
Não viste um sorriso fiar uma paisagem
A moçoila rindo com o céu gotejando de suas mãos
Mais sombra me davam as pestanas dela
Que uma alameda sob o triplo peso
De folhas ventos e céus
Não viste entreabrir-se a alvorada
Sobre as neves como uma fronte
Alumiando o sol e as estrelas
E a mão mais clara que a água com seu rumor
Assim me atravessaram desde a manhã à noite
As músicas geladas os dedos de aço
Com cercaduras novas seu rosto não descansava
Já sobre a dália ou sobre a nevada
Já na brisa ou no próprio coração do inverno
E na outra mão o ceptro do estio
E no outro pé o sol do outono
Os olhares carregados de resplendores de oceanos ensolarados
Cruzando o Mediterrâneo os golfinhos saltavam
Nos ares quedavam-se as tartarugas
A moçoila não despertara ainda
A flor era a plenitude dos espaços.

Emílio Adolfo Westphalen

Sunday, February 11, 2007

exposure


(C) TCA

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De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Co'os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
(...)

Geni e o Zepelim, Ópera do malandro, Chico Buarque

Friday, February 02, 2007

impaciente


(C) TCA

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ardo de desejo
pelo cair da tarde
quando o cheiro das laranjeiras
descai no ventre da encosta.
é o tempo da entrega
da covulsão do ventre
do arrepio das veias...
deito-te todo inteiro
na margem da levada
que é o meu corpo aberto
à tua espera.

(C) maria aurora carvalho homem in discurso amoroso