Friday, February 27, 2009

poppy fields



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se eu soubesse ler as letras do teu alfabeto
andar as ruas da tua cidade
rimar as rimas do teu verso

se eu soubesse dizer amo-te no tom certo
e abraçar-te
e enternecer-te

se eu soubesse ler a língua com que dizes
espera
o dialecto dos olhos com que te despedes

se eu soubesse guardar o segredo
a gota da lágrima que te escorre
que tu choras

mas eu não sei
e perco-te

desespero, maria de fátima

Tuesday, February 24, 2009

antes da quaresma



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Arcano

Noite. O silencioso giro da chave fecha o portão. A rua deserta, sem testemunhas à vista. Ao longe, o som dos batuques e das marchas. O andar sorrateiro em direção à Lapa. Nada além de um vulto a contrastar com o casario de Santa Tereza.
Cinqüenta e uma semanas por ano de inflexível disciplina, irrepreensível dedicação, entrega absoluta. Não no carnaval.
A reedição de outras saídas de outras sextas-feiras que antecederam o tríduo momesco.
Que fantasias usaria? Colombina, palhaço, Clóvis, bate-bola? Pularia no Cordão do Bola Preta? Sairia no Bafo da Onça? Dançaria no baile do Clube dos Democráticos? Sambaria na Portela? Acompanharia os passos de Lopita? Frevaria com Luiz Freire? Beberia com Madame Satã? Flertaria? Amaria com culpa, mas sem reservas?
Ao fim da noite de terça-feira, como sempre, retornaria. Qual um filme rodando ao contrário, giraria a chave do portão e desapareceria no interior do vetusto casarão.
Na manhã seguinte, iniciada a quaresma, penitente, reassumiria plenamente os votos de clausura no Convento das Carmelitas.

Arcano, Manoel Carlos, Agreste

Monday, February 23, 2009

canção longe



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Ó meu bem se tu te fores
Como dizem que te vais
Deixa-me o teu nome escrito
Numa pedrinha do cais

Quando o mê mano se foi
Sete lenços encharquei
mai la manga da camisa
e dizem que não chorei

Meu amor vem sobre as ondas
Meu amor vem sobre o mar
Ai quem me dera morrer
Nas águas do teu olhar

Canção Longe

Tuesday, February 17, 2009

flutuar



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Cansada.
De cansada não ando.
Do não andar, descanso.

- O descanso me impele
a caminhar.

Entre a inércia
e o ímpeto do movimento:
a vida.

Ela não cansa de passar.

Ela não anda, voa.
E me impele
também a voar.

- E eu vôo.
E se me canso de voar,
flutuo.

Então eu vivo
a flutuar.

a flutuar, nydia bonetti - longitudes

Wednesday, February 11, 2009

looking at poppies

- why poppies?
- because they are red. (…) well, mostly red.
- but you draw women, mostly women?
- there is a lot of red in a woman
- red! as in… lips?
- red as in passion, hate, jealousy, …
- you mean women have a lot of negative feelings?
- no, they have a lot of red
- red being good, then?
- not necessarily
- from the way you talk you seem to understand women well.
- i wish... but they are red. mostly red, don’t you think?
- the women are red?
- no, the poppies. colors are tricky…
- and you reduce women to poppies, isn’t that a little too much?
- i do not. i simple brought them a little closer together.
- by using red?
- by painting them women.
- but minimal. do you think most women would like to be depicted the way you do?
- you mean in red? just kidding! not sure… some say they do. but i don’t do portraits anyway.
- what do you think women see in your drawings?
- themselves. at least that’s often the aim.
- aren’t you being over-economical with your modesty?
- they don’t see themselves because the drawing is good..
- that’s for sure.
- la giaconda is probably the most popular representation of a woman…
- so now you compare yourself with the great masters.
- not really… just saying that in spite of the quality of the painting, i guess not many women see themselves at the mirror when they look at it.
- so what do you think they see when they look at your …
- poppies.
- poppies?
- yes, poppies.
- they see poppies?
- no, they see red.

Monday, February 09, 2009

viemos



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(...)
De mãos ávidas e vazias,
de ancas bamboleantes lâmpadas vermelhas se acendendo,
de corações amarrados de repulsa,
descemos atraídas pelas luzes da cidade,
acenando convites aliciantes
como sinais luminosos na noite.

Viemos ...
Fugitivas dos telhados de zinco pingando cacimba,
do sem sabor do caril de amendoim quotidiano,
do doer espáduas todo o dia vergadas
sobre sedas que outras exibirão,
dos vestidos desbotados de chita,
da certeza terrível do dia de amanhã
retrato fiel do que passou,
sem uma pincelada verde forte
falando de esperança.
(...)
Moças das Docas; Noémia de Sousa

Tuesday, February 03, 2009

picassando



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(...)
No mês de dois seguintes o limão mirrara.
Na cama estendia-se outro lençol de lua.
Foi quando lhe encontraram o corpo.
Cuidaram que partira: apenas se cansara.
Cansara de aguardar um dia atrás do outro.

m. correia; papoilas de janeiro